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ANGELUS

Emilliano Freitas

 

Todos os dias às 18 horas entra pela janela o som do anjo anunciando a Maria. A narrativa da anunciação, tão presente na história da arte ocidental, coloca em questão o mistério da concepção, a servidão da mulher e a pluralidade de leituras de um tema. Durante os meses de isolamento por conta do covid-19, a hora do Angelus tornou-se um momento de conexão, onde o mundo lá fora vem anunciar que a concepção não para.

Ele está entre nós.

Karine Camila Oliveira

 

as 18h o anjo anuncia à Maria. Das nossas janelas ordinárias, por onde avistamos telhados e rotinas cotidianas, o angelus se propaga nas vibrações dos badalos e notas sacras. É o que Emilliano Freitas nos mostra em seu vídeo Angelus. Nele, o som reverbera a anunciação do Senhor e com seu tom de boas novas, tanto pode trazer alento e ascensão aos que se sensibilizam naquele momento, como pode passar indiferente àqueles que não compartilham deste ritual. Independentemente disso, ele está entre nós. Et Habitávit in nobis. Imagens sacras, angelicais, com contrastes e destaques de luz onde os temas parecem flutuar confrontam a perspectiva da rotina trivial e mundana: de fundos de quintais, fundos de casas, ruas vulgares por onde circulam carros e motos quase que imunes ao angelus. É na mesma janela de onde ouvimos o sagrado que podemos vislumbrar o profano. Deste mesmo ponto físico, nossas perspectivas não nos permitem distinguir em qual destas dimensões transcendentes nos encontramos. Ou se o sagrado poderia permear nossas rotinas tão ordinárias ou ainda se ele é tão absoluto e distante que somente o alcançaríamos pela força de palavras devidamente selecionadas e notas musicais de elevação espiritual.

eis aqui a escrava do senhor. Palavras soam duras quando uma das condições mais indignas a que a humanidade foi submetida ilustra o mistério da devoção e entrega ao sagrado e de confiança no desconhecido. Notamos então que a linguagem do sagrado não pode ser apreendida a partir das referências mundanas. Os pássaros brancos que transmitem a elevação da alma na linguagem pictórica, não são mais distintos ou veneráveis que os tantos pássaros coloridos que se valem da linguagem do canto nos finais de tarde (muitas vezes sequer os vemos), para acompanhar ou concorrer com as notas da oração. Dos nossos pontos fixos, nossas janelas e nossas percepções, avistamos imagens que frequentemente ignoramos, camuflamos e até tentamos esconder enquanto fantasiamos o divino em formas puras, clareadas, com ornamentação, suntuosidade e leveza. As alegorias do divino e vulgar parecem se situar em pontos diametralmente opostos, porém, quando olhamos para o “nada”, isto é, contemplamos o que é banal em nós e ao nosso redor - que passa quase sempre desapercebido, quando não desprezado –  podemos alcançar uma grandeza sacra com a experiência do angelus.

não vejo. mas anunciam todos os dias. pontualmente. E ainda que não fosse pontualmente, temos outros sentidos para receber a mensagem e, a partir daí, tanto podemos ser indiferentes a ela, em função de nossas convicções, ou assimilar uma perspectiva um tanto sinestésica que nos permitiria refletir como a anunciação pode transcender a narrativa católica entre o anjo e a Virgem Maria – a despeito do papel hegemônico da Igreja e da pluralidade da fé. Talvez a mensagem original fosse que, de modo pasmoso, o mais trivial de nós e do que está nossa volta é sagrado.

Angelus

3'04''

 

Direção         Emilliano Freitas

Roteiro

Imagem

Montagem

 

Pesquisa       CAPU (Coletivo de Ações Poéticas Urbanas)

Produção

 

Goiás/GO - 2020

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