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O CÉU QUE (NÃO) VEJO

Thiago Lopes

 

Os limites físicos que separam a vista do horizonte de um observador não geram resultados apenas no campo material. O que uma nova perspectiva de céu proporciona em termos de sensações? Até que ponto afeta o psicológico ou mesmo a espiritualidade de alguém? O contexto de pandemia, aliado a um isolamento social, traz à tona reflexões e novas atitudes, a fim de minimizar os efeitos dessa ausência de céu, de infinitude horizontal. Os ecos dessa nova vista soam por entre paredes, palavras e pensamentos e conduzem à materialização do desejo de se ter ao alcance dos olhos aquilo que o coração anseia.

Falta de céu

Arthur Simões Caetano Cabral

 

Entre tudo o que não é humano, nem criado pelo homem, talvez o céu seja, a um só tempo, a mais próxima e a mais distante, a mais profunda e a mais imensa, a mais íntima e a mais estranha das existências que nos envolvem. Por mais que julguemos conhecê-lo, pouco importam aos olhos que se permitem vagar entre nuvens os dados obtidos e acumulados ao longo de séculos por lunetas e telescópios, sondas e Sputniks, computadores capazes de decompor em átomos seus vapores ou de pressupor em números suas distâncias infinitas. 

Por outro lado, bastam três letras na língua portuguesa – um sopro que lança, consoante, duas vogais ao firmamento na ascensão de um acento agudo – para que ganhe nome essa dimensão que acompanha o ser humano desde suas condições mais ancestrais e que se atualiza incessante, que se acende e se apaga a cada despertar e a cada adormecer. Às vezes o céu nos oprime em sua nudez escaldante, às vezes oferece guarida a nossos anseios em desenhos provisórios, nebulosos, poentes, amanhecidos. Há dias em que o céu não se aguenta em seu próprio peso, esconde a face e chove; em outros, celebra em vento seus colossais temperamentos.

Seus movimentos e suas mutações, entretanto, em nada dependem das intenções ou dos desejos humanos. O céu nada quer conosco e pouco lhe importam os efeitos das trovoadas, das tempestades ou de alegres manhãs ensolaradas. Em seu irredutível desinteresse por nós, de um lado, e na imensa curiosidade que nos infunde, de outro, é compreensível que o céu mobilize para as mais diversas culturas o desenvolvimento de mitos e ritos, ora associando-se à eternidade de paraísos prometidos, ora representando o palco de disputas entre deuses. As imagens poéticas, por sua vez, conferem expressão aos modos como vemos entrelaçadas nossas disposições internas com a exterioridade dos humores celestes. 

Tão íntimas, ainda que tão distantes, são a luz que nos habita por dentro e que se extroverte pelos olhos, e a luz de fora, que no céu nos envolve e que, também pelos olhos, se impregna em nós. A cumplicidade entre interior e exterior, entre profundidade e superfície, entre as camadas inacessíveis do imaginário e a imensidão cósmica permite justificar o empréstimo do termo atmosferas em referência aos nossos estados de alma, isto é, às maneiras pelas quais nos sentimos e nos dispomos ao contato com o mundo: basta a imagem de um céu estrelado ou de um dia de garoa para nos remetermos a certas percepções, estímulos e sensações.

Tais associações se conformam e se deformam em metáforas e imagens poéticas. Dizemos, frequentemente, que nos falta o chão quando algo inesperado acontece, quando algum evento imprevisível se impõe e nos acomete em suspenso, sem referências. O céu, por sua vez, sempre nos sobra em sua abundância infinita e sempre nos escapa na imensidão de horizontes inesgotáveis ou na intimidade profunda do ponto exato em que os olhos o tocam. Como seria, então, a experiência da falta do céu? Diante dos muros recentemente impostos ao mundo como possibilidade de proteção às consequências de uma pandemia, e sem procurar suavizá-los, O céu que (não) vejo, curta de estreia de Thiago Lopes para o Coletivo de Ações Poéticas Urbanas – CAPU –, traz ao espectador a “materialização do desejo de se ter ao alcance dos olhos aquilo que o coração anseia”. Visitando céus improváveis, espremidos por beirais nos recuos entre as construções ou imaginados numa parede com seus “visitantes alados”, a obra traduz, em palavras e no contraste forte entre claro e escuro captado por tomadas ávidas por atmosferas, a esperança do reencontro do Eu com o mundo e de seu acolhimento em horizontes imensos.

O CÉU QUE (NÃO) VEJO 

3'10''

Direção: Thiago Lopes Oliveira Santos

Fotografia: Thiago Lopes Oliveira Santos

Texto: Thiago Lopes Oliveira Santos

Narração: Thiago Lopes Oliveira Santos

Edição: Thiago Lopes Oliveira Santos

Produção: Coletivo de Ações Poéticas Urbanas - CAPU

 

Local das Filmagens: Residência em Itumbiara – Goiás 

Itumbiara/GO  - 2020

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